Mensagens recebidas pelo 'Correio da Manhã' AMEAÇA DE ATAQUE ANTES DO EURO
“Vamos fazer um ataque antes dos jogos do Euro”. A frase, em português com sotaque, é proferida durante um telefonema atendido por Armando Esteves Pereira, editor executivo do CM, na nossa Redacção em Lisboa. São 23h40 da última sexta-feira, o dia santo islâmico. No mesmo contacto é afirmado que dois dos comandos que fizeram os atentados em Madrid estão no nosso país. Os autores serão, alegadamente, membros da al-Qaeda.
Na última página do Corão (a primeira página no sistema ocidental de leitura) uma foto a preto e branco de Bin Laden foi a assinatura clara na mensagem dada ao Correio da Manhã
Tudo começou pelas 23h00. O serviço de segurança do jornal recebe um telefonema encaminhado para a Secretaria de Redacção. Uma voz num espanhol correcto pergunta por alguém chamado ‘Miguel’, não indicando o apelido. Maurício Silva, funcionário da secretaria, acaba por receber uma mensagem: num caixote do lixo nas proximidades do edifício do CM há um saco com documentos para o nosso jornal. O interlocutor de Maurício explica onde está a ‘oferta’. Depois, afirma que três dos comandos do atentado de Madrid já estão em Portugal.Transmitida a informação ao subdirector Octávio Ribeiro, este relatou a situação aos jornalistas Carlos Varela e Paulo Fonte. Logo decidiram encetar uma busca nas imediações do jornal. Eram 23h17. Pouco depois, Carlos Varela encontra, numa papeleira da Rua Marquês Sá da Bandeira, junto ao muro da Gulbenkian, um saco da ‘Lacoste’. Dentro, envoltos por dois sacos do ‘Pingo Doce’, um exemplar do Corão, em árabe e espanhol e um opúsculo mais pequeno, com uma oração em árabe, todo o versículo 36 do Corão, e uma introdução no idioma urdu. Colada no interior do livro, uma fotografia ‘Polaroid’, a preto e branco, de um retrato de Bin Laden.Pelas 23h40, o segundo contacto. O interlocutor pergunta se já tínhamos recebido a oferta. E mais. Se já tínhamos visto a foto do seu chefe. Depois, a mensagem clara: “Vamos fazer um ataque antes dos jogos do Euro”.Na conversa, o interlocutor de Armando Esteves Pereira revela-se como um argelino que viveu dez anos em Portugal. Reafirma a informação do primeiro telefonema, embora com uma alteração quanto ao número de responsáveis do massacre de Madrid que já estarão no nosso País: “Dois dos que fizeram o atentado já estão em Portugal”.Depois dos jornalistas constatarem o conteúdo do saco, uma fonte islâmica contactada pelo nosso jornal traduz o opúsculo: uma oração para ser dita pela manhã.Após os documentos serem fotografados foi chamada a Polícia Judiciária, que fez deslocar ao nosso jornal dois inspectores da Direcção Central de Combate ao Banditismo. As investigações tiveram início com interrogatórios aos jornalistas, que se prolongaram para lá das 02h00. TELEFONEMAS1º - "TRÊS COMANDOS DE MADRID JÁ ESTÃO EM PORTUGAL"O telefone tocou pelas 23h00. Do lado de cá Maurício Silva, funcionário da secretaria de redacção, preparou-se para atender mais uma chamada como muitas outras alí caídas na noite de sexta-feira. “Estou? É da redacção do Correio da Manhã?”, perguntou a ‘voz’ do lado de lá, num espanhol perfeito, pausado e calmo. Maurício Silva esclareceu: “Sim, da secretaria”. O homem - que não se identificou - questionou então se poderia falar com “o Miguel”. Na redacção do CM há três jornalistas com esse primeiro nome mas nenhum se encontrava àquela hora. Maurício disse isso mesmo à ‘voz’ que respondeu: “Tudo bem, falo com a secretaria.” Começou assim a curta conversa telefónica (durou pouco mais de um minuto).A ‘voz’ ditou a Maurício Silva as instruções: “Vai junto ao Correio da Manhã, à esquina com a Rua Sá da Bandeira. No semáforo há um caixote de lixo e lá dentro está um saco e dentro desse estão outros dois do ‘Pingo Doce’. São documentos. Vai buscá-los e entrega-os ao Correio da Manhã”, ‘disparou’ o homem do lado de lá da linha.A ‘voz’ não se deteve e disse aquilo que Maurício não contava ouvir: “Agora foi em Madrid depois vai ser em Portugal [sem especificar onde ou quando]. Três comandos de Madrid já estão em Portugal. Vai buscar os documentos. Depois volto a ligar”, disse. E desligou.O funcionário do CM foi então ter com o subdirector Octávio Ribeiro a quem contou o sucedido. Seriam 23h10. Octávio Ribeiro relatou o telefonema a dois jornalistas. Às 23h17, Maurício Silva e os jornalistas Carlos Varela, Rogério Chambel e Paulo Fonte saíram do edifício do CM e dirigiram-se ao caixote indicado. Segundo o funcionário da secretaria, lá dentro estava a “oferta”. “Vimos o que era e regressámos ao edifício. Chamámos a PJ que chegou às 00h00”, contou. De acordo com o funcionário do CM, a ‘voz’ do lado de lá da linha apresentava-se “calma” e “sem sinal de nervosismo”. “Era séria, o espanhol perfeito e aparentava ser de meia idade. A ligação era perfeita, sem qualquer ruído ou distorção característicos de quem está a telefonar de longe”, afirmou. Maurício Silva ficou com a sensação que o homem ao telefone tinha, junto a ele, pelo menos “mais uma pessoa a explicar-lhe algumas coisas em português, já que mostrei-lhe as minhas dificuldades em perceber algum vocabulário espanhol”. 2º - DISSE SER ARGELINO E TER VIVIDO EM PORTUGAL DURANTE 10 ANOSSexta-feira, 12 de Março. Às 23h40, quando acompanhava o fecho das últimas páginas da edição do Correio da Manhã desse dia recebo uma chamada do segurança, que estava notoriamente atrapalhado com um telefonema que recebera. Aceito que me faça o reencaminhamento dessa ligação. Pergunta-me uma voz num português correcto, mas com sotaque de quem notoriamente não tem a língua de Camões como língua materna: Receberam a oferta? Que oferta? Retorqui. Sabia que tínhamos recebido um folheto em árabe e um exemplar do Corão, mas na azáfama do fecho da edição nem sequer me preocupei com esse assunto. Por isso interroguei a pessoa do outro lado da linha se se referia ao livro. Disse-me que sim. E que eles já sabiam que tínhamos recolhido o embrulho, porque outras pessoas do grupo tinham visto colegas meus a recolher o volume, embrulhado num saco do ‘Pingo Doce’. Avisa-me que estava a falar de uma cabina telefónica longe das instalações do CM.Em seguida dispara uma pergunta, como se cumprisse um formulário de questões. Viram a fotografia do nosso chefe? Quem é o chefe? Insisti.Na minha sala estava Octávio Ribeiro, que já tinha visto o embrulho. Pergunto-lhe se havia alguma fotografia. Afinal tratava-se de um retrato de bin Laden.Questiono a pessoa do outro lado do telefone: O Bin Laden é que é o seu chefe? Responde-me afirmativamente e de rompante diz-me que duas pessoas que fizeram o atentado em Madrid já estavam em Portugal e iam fazer um ataque antes dos jogos do Euro 2004. Adianta que não se importa que o Governo espanhol diga que foi a ETA, porque a verdade é que o atentado é da autoria do grupo de Bin Laden. Em seguida queria desligar o telefone, mas perguntei se por acaso era guineense, uma vez que já conheci pessoas daquele país com sotaque parecido. Responde-me que era argelino e que viveu em Portugal durante 10 anos e por isso era ele que estava a falar comigo, porque falava português. Desliga o telefone. Ainda tinha algumas páginas por fechar e sinceramente até essas páginas irem para a gráfica não pensei muito sobre esse assunto. Só quando me apercebi de todas as peças que compunham o puzzle da ameaça dessa noite, e o inspector da Polícia Judiciária me chama para prestar um depoimento, é que voltei a dar importância ao telefonema.MÉTODOS SEMELHANTESA cassete de vídeo anteontem descoberta em Madrid e que mostra um alegado porta-voz da al-Qaeda a assumir os atentados foi anunciada à televisão espanhola Telemadrid com um método semelhante ao usado sexta-feira com o CM. Foi feita uma chamada para a Telemadrid dando conta que a mensagem estava num caixote entre uma mesquita e a morgue local.TERRORISMO E COMUNICAÇÃOOs diversos grupos terroristas, como a ETA, o IRA, a al- Qaeda, a resistência tchetchena ou as várias facções palestinianas, utilizam a Comunicação Social para passar as suas mensagens, desde a divulgação dos objectivos da luta, até para avisar de atentados ou negar a sua alegada autoria. Exemplos concretos, a al-Qaeda com a al-Jazeera e a ETA com a televisão basca."INFORMAÇÃO CREDÍVEL A TER EM CONTA""Um aviso aos incrédulos" é como o professor António Dias Farinha interpreta a colocação do capítulo 36 do Alcorão junto do edifício do Correio da Manhã, com as consequentes chamadas telefónicas, pelos presumíveis autores do acto. "É uma informação credível, a ter conta, de que existem simpatizantes da al-Qaeda em Portugal, e que como tal tem de ser tratada com respeito", acrescentou o Director do Instituto de Estudos Árabes e Islâmicos. "O capitulo 36 do Alcorão é um dos que se refere ao problema dos não crentes e é habitualmente citado nesse caso como um aviso a esses incrédulos", explicou o professor catedrático de história da Universidade de Lisboa. Para o Historiador a escolha do jornal com maior tiragem no nosso país, e ocorrendo a entrega um dia depois dos atentados de Madrid, poderá significar uma tentativa para obter maior visibilidade para os simpatizantes de bin Laden em Portugal. Apesar dos telefonemas terem um caractér intimidatório, o professor ressalva que "os muçulmanos sabem que Portugal é um país ecuménico e que não representa uma ameaça militar ou ideológica para este tipo de movimentos".
Falcão-Machado / Paulo Fonte / Sérgio A. Vitorino / Armando Esteves Pereira / J. S.
quinta-feira, setembro 22, 2005
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